O Presente de Natal
adaptação de um conto de Jerôme e Jean Thauraud
por Frei Braz scj
Foi em Belém, ao despontar da aurora. A estrela acabava de se desvanecer, o último peregrino havia deixado o estábulo, a Virgem tinha acomodado a palha, o Menino ia dormir, enfim. Mas dorme alguém na noite de Natal!? Entretanto, suavemente, a porta abre-se, empurrada, dir-se-ia mais por um sopro que por uma mão, e uma mulher, coberta de farrapos, aparece na soleira, tão velha, tão enrugada que, no seu rosto cor de terra, a boca dir-se-ia não mais que uma ruga.
Ao vê-la, Maria estremece, como se se tratasse de alguma fada agoirenta que entrasse. Felizmente, Jesus dorme! O burrinho e o boi ruminam pachorrentamente a sua palha e vêem avançar a estrangeira sem manifestar espanto algum como se de há muito a já conhecessem. A Virgem, por sua vez, não desvia dela o olhar. Cada passo que dá parece-lhe longo como uma eternidade.
A velha avança, ei-la já à beira da manjedoura. Graças a Deus, Jesus continua adormecido. Mas dorme alguém na noite de Natal!?
Eis senão quando, abrem-se as pálpebras do Infante, e sua mãe constata, admirada, que os olhos da mulher e os do seu Menino são exatamente idênticos; mais, brilham com a mesma esperança.
A velha debruça-se então sobre a palha, enquanto que a sua mão procura na confusão dos farrapos qualquer coisa que parece levar séculos a encontrar. Maria observava-a continuamente e sempre com a mesma inquietude. Os animais também a olham, mas em nada surpreendidos, como se soubessem antecipadamente o que iria acontecer.
Finalmente, ao fim de um bom momento, a velha acaba por retirar dos seus trapos um objeto escondido na mão, que entrega ao Menino.
Depois de todos os tesouros dos magos e das oferendas dos pastores, que poderia bem ser esse presente? De onde está, Maria não o pode ver. Ela vislumbra unicamente o dorso da velha curvado pela idade, e que mais ainda se curva ao debruçar-se sobre o berço. Mas o burrinho e o boi, esses, vêem-no e nem por isso demonstram a mínima admiração.
E aquilo dura ainda tanto tempo. Enfim, a velha reergue-se, como que aliviada do enorme fardo que a puxava para a terra. Os seus ombros já não estão curvados, a sua cabeça quase toca o colmo, o seu rosto reencontra milagrosamente a juventude. E quando ela se afasta do berço para retomar a porta e desaparecer na noite donde tinha vindo, Maria pode ver, enfim, o que era o seu misterioso presente.
Eva, que outra não era, acabara de entregar ao Menino uma pequena maçã, a maçã do primeiro pecado e de tantos outros que se lhe seguiram! E a pequena maçã escarlate brilha agora nas mãos do recém-nascido como o globo do mundo novo que acaba de nascer com ele.
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